Era daqueles tempos em que tudo era pecado. Menina feito eu da periferia do Rio de Janeiro, sabia de quê? Tinha de trabalhar com a mãe, dar a benção ao pai quando ele fosse trabalhar. Éramos todos meio pobres e religiosos. Seguíamos todas as doutrinas do Nosso Senhor. Eu beijava todos os dias o azulado e o dourado do manto da Virgem Maria. Lembro-me das numerosas preces que fazia à Vossa Mãe, principalmente àquelas que diziam a respeito de meus mais íntimos sonhos: o futebol.
Sou flamenguista roxa, sempre quis jogar futebol. Era um sonho. Imagina que meus parentes permitiriam isso? 'De jeito algum', eles falavam. A verdade é que sempre fui muito sonhadora, preta trabalhadora, guerreira por convicção. Só me restava servir ao Senhor e trabalhar todo santo dia pra, quem sabe um dia, criar família.
Mas, hoje as coisas mudaram. O mundo tá diferente. Não vejo mais as moças e moços indo à igreja. Dizem que o mundo tá caótico, pois não é? Só sei que hoje a febre pelo futebol é mais forte como nunca... é como se fosse uma religião. As pessoas seguem e assistem ao futebol com tanto ardor, sofrimento. O futebol no Brasil sempre foi muito forte e hoje, é o Vosso Deus!
As cores do manto da Virgem Maria pertencem ao futebol. O azul, São Caetano; o branco, Corinthians; o amarelo e o verde do Santo André, o Brasil. E, se por um acaso, não tivéssemos conflitos num país como esse? Pois bem, sou flamenguista roxa, sofredora, time do conflito. É o time do vermelho-preto do meu coração. Tenho orgulho do meu futebol, sempre gostei, desde garotinha. Sempre foi minha lei, minha salvação.
Apesar do meu amor pelo esporte, uma coisa é certa: fico depressiva quando o Flamengo perde. Fico mesmo: choro, berro, mordo, me doo toda. Mas, ao mesmo tempo, sinto um vazio no coração, um nada. Uma sofredora que nunca jogou pelo seu time.
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